Um pequeno porão cedido pela administração do Parque da Luz, localizado na região central de São Paulo, serviu durante anos como espaço para as reuniões do Coletivo Mulheres da Luz – Associação Agentes da Cidadania. Nos encontros, as mulheres em situação de prostituição que atuam no parque e entornos encontravam todo tipo de apoio dos voluntários e voluntárias: desde a escuta sobre a rotina permeada de vulnerabilidade até o acesso a aulas de alfabetização, atendimentos de saúde física e psicológica, oportunidades de frequentar programas de formação profissional e alimentação.
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Mesmo sem infraestrutura básica, como água encanada e sanitários, o lugar serviu para fortalecer a atuação do grupo, que completa oito anos. Com o despontar da pandemia, entretanto, tudo mudou. O acesso ao porão foi inviabilizado, e o Coletivo se mobilizou para aumentar a rede de apoio e seguir atuando. Por meio de doações, foi possível alugar uma casa na região e seguir com os atendimentos.
No entanto, incertezas financeiras colocam em xeque mais uma vez a continuidade das atividades. “Por isso a gente acha que chegou o momento de conquistar um espaço próprio”, diz Cleone dos Santos, fundadora do grupo. O Coletivo começou neste mês de novembro uma campanha de financiamento coletivo com o objetivo de arrecadar recursos para adquirir um imóvel no bairro da Luz e promover, portanto, a sua sede definitiva. “Essa é a garantia de que a gente conseguirá seguir com as nossas atividades no futuro”, diz Cleone.
História do Coletivo
Cleone lidera o grupo com o conhecimento de quem viveu a situação de prostituição por quase 20 anos. “Era uma rotina permeada de maus tratos e vulnerabilidade”, lembra. Em meados de 2011, Cleone conheceu a freira Célia Regina, participante da ordem passionista de São Paulo da Cruz, que há três décadas trabalha com mulheres em situação de prostituição. Juntas, a partir de uma compreensão mútua das dificuldades das mulheres em situação de prostituição da região do Parque da Luz, Cleone e Irmã Regina, tiveram a iniciativa de criar uma rede de apoio, que veio a se tornar o Coletivo Mulheres da Luz.
Assim nasceu, em 2013, o Coletivo Mulheres da Luz, que faz parte da Associação Agentes da Cidadania, com o intuito de promover a escuta e possibilitar formação profissional como alternativa à rotina de vulnerabilidade. Dessa maneira, elas podem vislumbrar outras possibilidades de renda e deixar a atividade. “O nosso objetivo é tirar essas mulheres da invisibilidade, fazer com que se sintam cidadãs”, diz Cleone.
Mulheres vulneráveis
Todas as manhãs, dezenas de mulheres deixam as suas casas em bairros periféricos e vão para a região do Parque da Luz, no centro de São Paulo. É neste ambiente, cercado por árvores, que garantem algum anonimato, que elas aguardam. O ambiente bucólico do parque se contrapõe com as suas rotinas e a situação social de seus entornos. São mulheres que geralmente têm mais de 40 anos, pele preta, garantem a principal fonte de renda da família, e encontraram na situação de prostituição a tentativa do sustento de filhas, filhos e netos.
Muitas vêm de outros estados buscar oportunidades em São Paulo, viveram ou ainda vivem em situações de abuso doméstico ou no trabalho. Sem formação profissional – a maioria não tem sequer alfabetização-, elas buscam uma fonte de renda em meio a precarização e vulnerabilidade da atividade.
A maioria acaba em situação de prostituição para complementar a renda ou pagar alguma dívida. Todas encaram essa alternativa como um momento passageiro em suas vidas. Mas poucas conseguem sair. A mais velha do grupo, hoje, tem 75 anos. Vivem uma vida dupla, pois são mulheres que circulam pelos bairros onde moram e se relacionam com as suas famílias sem mencionar a origem dos recursos financeiros, o que as sufoca ainda mais. “Elas falam que trabalham como empregadas domésticas, faxineiras, diaristas ou cozinheiras”, conta Cleone.
Parcerias com empresas são bem-vindas
Ao longo dos últimos anos, parcerias com empresas e com outras instituições do bairro incentivaram programas pontuais de formação e geração alternativa de renda. “Tem um grupo fazendo curso de cuidadora e outro produzindo sabão na Casa do Povo, centro cultural do bairro do Bom Retiro”, diz Cleone. Ela reitera que o grupo segue em busca de parcerias com companhias dispostas a apoiar iniciativas de profissionalização no longo prazo, e que também ofereçam oportunidades de trabalho para as mulheres colocarem em prática a teoria, se recolocando no mercado de trabalhado e possibilitando uma atividade alternativa à prostituição.
Outra frente importante da ação do Coletivo é possibilitar o acesso das mulheres à saúde pública. Por conta da necessidade de manter a situação de prostituição em sigilo, elas não podem frequentar os postos de saúde dos seus bairros. Durante quase uma década, o grupo auxiliou um número cada vez maior de mulheres. Hoje, a ação do Coletivo conta com o trabalho de dezenas de voluntárias e voluntários, tem mais de 250 mulheres cadastradas e beneficia, de maneira indireta, mais de mil pessoas a contar filhas, filhos, netos e bisnetos.
As doações podem ser feitas pela página da campanha. É possível acompanhar em detalhes a atuação do grupo pelas redes sociais, como Instagram e Facebook.
As empresas que estiverem dispostas a realizar algum tipo de parceria ou contribuir para o projeto, podem entrar em contato pelo e-mail: [email protected].
Fonte: InfoMoney